Pesquisa Google

Pesquisa personalizada

terça-feira, 30 de setembro de 2008

A solidariedade permite Francisco voar

O vôo de Francisco

Menino com doença degenerativa ganha de presente um computador e a cadeira de rodas dos sonhos. Ao experimentá-la, sentiu-se livre como um super-herói combatendo monstros e outros obstáculos

O telefone toca. Do outro lado da linha, a voz miúda do menino de 13 anos. Ele diz, exaurido de alegria: “Você não disse que ia chegar? Ela chegou agora, acabei de receber. É linda e é azul”. A emoção é tão grande que a respiração está ofegante. O menino se cansa. É cansaço de tanta felicidade. Do outro lado da linha o interlocutor também é traído pela voz. A cadeira de rodas motorizada, o sonho que acalentava a vida toda, chegou pela caridade alheia. De uma loja na 302 Sul, onde ele a buscou, seguiu para a estação do metrô. Estava com sua mãe. Entrou no trem, como gente grande. As pessoas o fitaram, anestesiadas com a cena. E ao desembarcar com sua “possante” no Guará 1 (o possante é dele mesmo), ele pediu, ao passar num quiosque ali perto: “Quero um pastel de queijo com presunto e um caldo-de- cana”. A mãe saciou a vontade do filho. E ele lhe disse: “Mãe, é como se eu estivesse pisando no chão, andando, correndo de verdade”. A mãe encharcou os olhos de lágrimas.

Para quem nunca andou, nunca sentiu seus pés sobre o chão, essa é a exata noção de felicidade. E essa é a história de Francisco Canidé Silva Júnior, contada com exclusividade pelo Correio, no início de agosto (veja fac simile). É a história da luta e da determinação do menino para continuar vivo. A vontade de insistir. De se fazer presente. E driblar a deficiência acreditando que tem superpoderes. “Outro dia eu sonhei que tava fugindo de um monstro bem grande. Eu corria e ele não conseguia me pegar. Foi muito legal”, ele conta, felicíssimo.

Francisco é portador de Distrofia Muscular Espinhal Generativa, Tipo 1. O diagnóstico só foi dado quando o menino completou 6 anos e conseguiu uma consulta no Hospital Sarah. Antes, em outros lugares onde o pai militar morou, as previsões eram as mais sombrias. Nenhum médico conseguiu dizer aos pais o que de fato Francisco tinha. Falaram em anoxia (falta de oxigênio durante o parto), em síndrome muscular. Dissertaram sobre sérias dificuldades neurológicas e físicas pelo resto da vida. Disseram que ele jamais andaria, falaria, se comunicaria. Seria um ser em estado quase vegetativo.

A mãe não aceitou aquele diagnóstico. “Ele tinha vida nos olhos. Eu não poderia ouvir aquilo como verdade absoluta”, ela diz. E não esmoreceu. Colocou-o na fisioterapia. Estimulou. Repetiu a ela mesma que o filho era normal. Francisco foi despertando. O lado cognitivo dele, completamente preservado, sobressaiu sobre a incapacidade de andar e mexer braços. Ele começou a falar cedo. Inteligente, elaborava frases inteiras, completas. Raciocínio perfeito e lógico.

Uma noite, ao se deparar com a mãe chorando, ele perguntou o motivo. Ela tentou disfarçar as lágrimas e respondeu: “É que eu espero um milagre há muito tempo”. O miudinho Francisco a olhou com compaixão e lhe disse: “Mãe, milagre acontece todo dia”. Naquele exato momento, a mãe olhou para si mesma e viu que o milagre pelo qual tanto esperava estava diante dela, falando com ela e lhe ensinando coisas tão simples, como viver e aceitar as limitações impostas pela vida. Tempos depois, perto dos 10 anos, ele voltou a surpreender: “Mãe, eu te amo tanto. Nasci assim e a senhora nunca desistiu de mim...” Dessa vez, ela não fez a menor questão de limpar as lágrimas.
Espetacular
Ao chegar a Brasília, em decorrência de uma mudança de trabalho do marido, Christiane e Francisco peregrinaram por vários hospitais. “No Sarah, pela primeira vez, tive acesso a um parecer de um laudo. Me falaram sobre a doença do meu filho. Não me falaram de cura, mas de como lhe proporcionar melhor qualidade de vida. Isso fez toda diferença em nossas vidas”, reflete Christiane Vasconcellos, hoje divorciada, 36 anos, três filhos, salário de R$ 480 como atendente de consultório dentário.

Aqui, Francisco foi matriculado numa escola pública. A mãe acreditou na inclusão. Uma vez, um professor o chamou de aleijado. Ele chorou. Ela também. Mas Christiane não desistiu. Matriculou o filho em outra escola. Hoje, Francisco estuda no Centro de Ensino Fundamental 2, no Guará 1. Faz a 6ª série. É um dos alunos mais queridos e populares da escola. Quando um colega está triste, ele o escuta. Virou meio conselheiro da turma. Mora com a mãe e as duas irmãs — Bruna, 15, e Nicole, 11 — num apartamento modesto, na QI 14. É lá que constrói seus sonhos. É lá que foge de monstros gigantes e os vence como um verdadeiro super-herói.

Em 2 de agosto, o Correio contou a luta de Francisco e um pouco de seus sonhos. Sua velha cadeira de rodas estava quase imprestável. Vivia quebrada. Quando ia para o conserto, chegava à escola nos braços da mãe. Francisco tem aparência de um menino de 4 anos de idade. Pesa 13kg e mede 1,21m. É muito frágil fisicamente. De tão finos, braços e pernas parecem que vão se quebrar. Mas a fragilidade acaba aí. Emocionalmente, o menino miudinho é uma rocha. “Na minha separação, ele dizia: ‘Mãe, eu ainda tô aqui. Vou cuidar de você’. Foi ele quem me deu força”, conta Christiane.

A história do menino que insiste em viver e dá lições diárias para quem consegue aprender sensibilizou Brasília. E até gente de outros países, que leu a história pela internet. As ligações para sua casa e para o celular da mãe não pararam. “Até hoje, as pessoas continuam ligando”, ele diz, com a voz mirradinha. A mãe confirma. “Quase dois messes depois, ainda recebemos telefonemas. É impressionante como uma reportagem foi capaz de mudar a vida dele inteira”, comove-se Christiane.

Anônimos, sem alarde
Houve gente que ligou dizendo que rezaria. Gente que foi à casa dele para conhecê-lo. Gente que ajudou sem aparecer. Gente que virou amigo. Almoços aos domingos, em bons restaurantes, viraram passeios semanais. A cadeira de rodas motorizada, que custou R$ 9,8 mil, foi uma doação de um grupo de cinco amigos. Eles preferiram o anonimato. “Nos falamos por telefone. Eles disseram que um dia virão conhecer pessoalmente o Francisco”, conta a mãe. Francisco intervém: “Não tenho nem como explicar o que tô sentindo. Eu quero agradecer olhando pra eles”.

Parou por aí? Não. Francisco mencionou a vontade de ganhar um computador portátil, para ajudá-lo nas tarefas de casa. Ganhou dois, um novinho, doação de um homem que mora no Panamá; outro, meio usado. Um ele usa na escola. Outro, em casa. E virou expert em internet. A primeira coisa que fez: encheu o notebook de casa com fotos de Suzana, a amiguinha da escola por quem se derrete todo. “Ela é linda”, suspira o danadinho.

Depois, baixou mais de 30 joguinhos. Criou e-mail (tadeboa_fcdfsj@hotmail.com). Quando estava mostrando o endereço do e-mail no computador, disse à visita, às gargalhadas: “Tio, vou aumentar a letra pra você ver melhor. tá?”. E escancarou a fonte do texto e ainda deu cor. Impossível não ver. Até para o mais míope dos míopes. Passa os dias colecionando amigos na rede e está em fase de construção de um blog. Ninguém segura Francisco.

Olhando o filho voar na sua possante, a mãe não esconde a emoção: “Eu pedi a Deus um filho homem. Ele foi ao céu e me deu um filho homem e especial”. Christiane aprendeu a não mais pedir cura (ela sabe que não haverá) e a não contar o tempo. “Ele tem uma vontade de viver inacreditável. Só peço a Deus que meu filho desfrute do tempo que terá da melhor maneira possível.”

Nesse momento, Francisco voa na sua “possante”, que anda a 14km/h. E grita: “Mãe, eu tô voando. Tô correndo com meus pés”. Esbaforido, ele pára. Com o coração acelerado, tenta explicar felicidade, sentimento complicado e às vezes difícil de ser verbalizado: “É uma mistura de emoção e realização de um sonho”. E logo volta a andar com os pés de borracha emprestados. Sente-se livre, liberto, poderoso. É assim que ele decidiu encarar a vida. É assim que ele a faz comoventemente extraordinária. Todos os dias, mesmo com um mar de limitações que carrega.

"Mãe, é como se eu estivesse pisando no chão, andando, correndo de verdade"

Francisco Canidé, 13 anos

Nenhum comentário: