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terça-feira, 9 de setembro de 2008

Menino com doença progressiva sai do hospital

Menino com doença progressiva sai do hospital após tomar o Óleo de Lorenzo

Correio Braziliense

Uma vez, não há muito, uma mulher de jaleco branco, essa gente que estuda os males do corpo e jura defender a vida, disse à mãe do menino, portador de uma rara e grave doença: “Pra que tentar essa medicação (referia-se ao Óleo de Lorenzo, o único remédio capaz de amenizar e retardar os sintomas do mal que acomete a criança)?”. Não contente, a mulher, a quem os pais chamam de doutora, sentenciou: “Não há chance de cura. Não há mais o que fazer. Além do mais, é caro para o Estado”. E saiu da sala, sem dramas, como se estivesse acabado de dar uma receita de torta de maçã. A mãe, diante da realidade e da forma como a mulher de jaleco branco a tratou, chorou. Um choro de perda e desamparo. Uma segunda mulher, que também usa estetoscópio, disse àquela mãe: “Se fosse com o meu filho, eu lutaria pelo remédio. Eu daria, sim”.

A mãe e o pai daquela criança lutaram. A gente humilde da cidade onde moram fez campanha. Teve bingo e galinhada. Até o padre ajudou. A medicação, não fornecida pelo governo, foi comprada. Na tarde de sexta-feira, com o filho nos braços, a mãe deixou o Hospital Regional da Asa Sul (Hras). Ítalo, de 8 anos, voltou pra casa, em Santo Antônio do Descoberto (GO), a 50km de Brasília. A pneumonia e infecção urinária cessaram. A febre também. Como conseqüência da terrível doença neurológica, o menino parou de andar, de falar e de enxergar. Mas está vivo. Há 20 dias, tem tomado doses diárias do Óleo de Lorenzo. “À luz da ciência, a doença que ele tem, cujo comprometimento é progressivo, não há perspectiva de tratamento. Mas o que podemos fazer é lhe dar qualidade de vida e não importa o tempo que isso possa durar”, disse o chefe da pediatria do Hras, Felipe Lacerda de Vasconcelos.

Ítalo voltou pra casa, para o aconchego da família, depois de 58 longos dias de internação. Foi ao encontro do irmão, Kelvi, de 5 anos, que também tem a mesma doença e em quem os sintomas também já começaram a se manifestar. Kelvi tem arrastado a perna direita e está enxergando com dificuldade. Antes de perder a visão total, Ítalo, o mais velho, pediu à mãe, como súplica: “Tira essa coisa escura dos meus olhos”. A mãe lhe prometeu que tiraria aquela coisa escura dos seus olhos. E chorou mais uma vez por saber que talvez não conseguisse. Ítalo e Kelvi têm adrenoleucodistrofia (ADL) — doença rara e letal que provoca mutações genéticas, destruindo completamente o sistema neurológico. Existem atualmente, segundo os últimos registros em hospitais públicos, apenas oito casos em todo o país.

O Correio contou, com exclusividade, o drama dos dois irmãos, em 14 de agosto. A comoção causada em Brasília e fora da cidade foi inacreditável. A solidariedade à família, pai balconista de farmácia e mãe dona-de-casa, veio de todos os lados. O medicamento que ambos passaram a usar foi revelado no filme O óleo de Lorenzo, que emocionou platéias pelo mundo inteiro, em 1992 (leia Para Saber Mais). Com a ajuda, o remédio, cujo frasco custa R$ 591 e dá apenas para 15 dias, foi comprado. A defensora pública Emmanuela Furtado ajuizou ação contra o GDF, no sentido de garantir o tratamento dos irmãos. A ação ainda espera despacho do juiz da 5ª Vara de Fazenda Pública. O GDF, por sua vez, adiantou que, mesmo sem ter o registro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), vai autorizar a compra do medicamento.

O Rei Leão
Na estante da casa modesta, uma foto de Ítalo, na formatura do jardim, embeleza a sala. Ao lado dele, Kelvi. O pai olha a foto. A mãe, quando quer se desesperar, pensa na felicidade que os filhos já tiveram. Há nove meses, Ítalo jogava futebol, empinava pipa, era um dos melhores alunos da sala e queria ser balconista de farmácia, como o pai. Agora, numa cama, espera por um milagre. Kelvi, há três meses, começou a apresentar os mesmos sintomas do irmão. Olhando o filho deitado naquela cama, igualzinha a uma cama de hospital, Edilson Urany, 28, diz, como se falasse pra si mesmo: “Ele era a pessoa mais alegre do mundo”. Em seguida, tenta ser forte: “Fé a gente nunca perdeu”. Denise Araújo Cardoso, 27, a mãe, comemora a volta de Ìtalo pra casa e diz, acreditando no que fala: “Os olhinhos dele parecem que estão mais vivos, como se enxergassem”. Denise precisa acreditar nisso, até para ter força para cuidar dos dois filhos e tudo que poderá vir pela frente.

O danadinho Kelvi acaricia o irmão. Beija-o na testa. Não sabe exatamente por que Ítalo está naquela cama e não conversa mais com ele. Os dois soltavam pipa juntos. No quintal da casa, debaixo de uma sombra agradável do pé de jabuticaba, Denise colocou um colchão. Como tem feito muito calor, desde que voltou do hospital, Ítalo passa as tardes ali. Por meio de uma sonda, toma doses do Óleo de Lorenzo e um leite especial. O produto, cuja compra já foi solicitada pela Secretaria de Saúde, e é o único alimento que Ítalo pode tomar. Custa R$ 25 o pacote. Dura apenas três dias.

Na manhã de ontem, a funcionária do Senado, Cláudia Ximenes, 45, casada, dois filhos, viajou 100km — ida e volta — para visitar Ítalo. Por meio da reportagem do Correio, ela soube do drama dos dois irmãos. Passou a ver Ítalo ainda no hospital. Espalhou as histórias a todos que poderiam ajudá-lo. Leu tudo que pôde sobre a doença. Informou-se. Mandou e-mails para especialistas de São Paulo. Recebeu resposta animadora. Luta agora para comprar uma cadeira de rodas de que o menino precisa.

Cláudia juntou-se à família, não na busca de cura (ela sabe que não existe), mas no que pode fazer para dar aos meninos uma vida mais digna. Com a corrente de amigos, comprou televisão de LCD e DVD. Descobriu que Ítalo adorava ouvir música sertaneja e assistir ao O Rei Leão. Quando colocam o filme, ele fica menos agitado. Pára até de chorar. “Parece que tá vendo”, vibra a mãe. Num momento comovente, Cláudia carregou-o nos braços. Cantou pra ele. Fez massagem no seu peito. E o beijou, como se beijasse o próprio filho. De tão relaxado, Ítalo parecia sonhar. Dormiu como anjo. Aquela mulher de jaleco branco, do começo dessa história, por total falta de sensibilidade, está longe de imaginar tal cena. Nem conseguiria.

Com amor e persistência

O filme O óleo de Lorenzo (1992), com Susan Sarandon e Nick Nolte, conta o drama de um menino e sua luta para continuar vivo. Aos 6 anos, Lorenzo começou a apresentar os sintomas da ADL. Seus pais, Mickaela e Augusto Odone, não aceitaram o diagnóstico e iniciaram uma verdadeira batalha científica para entender a doença. Lorenzo parou de andar, enxergar, comer e se comunicar. Os pais discutiam com os médicos as descobertas.

Esbarraram com o preconceito e a desinformação da própria classe médica. Descobriram, então, um tratamento à base de azeite de oliva e canola, conhecido em todo o mundo como o Óleo de Lorenzo. O medicamento não leva à cura, mas pode, segundo médicos, retardar os sintomas. Lorenzo tomou o óleo. A doença estacionou. Morreu em maio deste ano, aos 30 anos, em sua casa, nos Estados Unidos. Quando descobriram a doença, os senhores de jaleco branco lhe deram apenas alguns meses de vida.

SOLIDARIEDADE
Ajuda para a família é bem-vinda. Banco do Brasil — Agência: 4545-4. Conta poupança: 11151-1 Variação: 01. Telefone: 8414-5562

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