A devoção a Nossa Senhora de Nazaré, a mais importante do estado do Pará, no Brasil, tem suas origens em Portugal. Seu caráter lendário não lhe seqüestra a beleza.
No Pará a devoção à Virgem é também envolvida em lenda. Plácido, o precursor do culto teria encontrado a pequena imagem em madeira de Nossa Senhora de Nazaré às margem do Igarapé Murutucu, que corria pela atual travessa 14 de Março onde hoje ficam os fundos da Basílica de Nossa Senhora de Nazaré. Imaginando que algum devoto da cidade de Vigia havia esquecido a imagem ali, levou-a para casa. No dia seguinte não a encontrou. Ela havia retornado ao igarapé. Nova tentativa, novo retorno da imagem ao nicho que havia escolhido. A imagem então teria sido levada para a capela do Palácio do Governo da Província, onde ficou guardada por escolta. De manhã, não havia nada na capela, a imagem havia retornado ao igarapé. Obedecendo os desejos da Virgem, à beira do igarapé foi construída uma ermida, que deu início à romaria e à devoção do povo paraense à Virgem de Nazaré.
A primeira procissão do Círio de Nossa Senhora de Nazaré saiu na tarde do dia 8 de setembro de 1793. Na noite anterior, a imagem da Santa havia sido transferida de sua ermida na Estrada do Utinga para o Palácio do Governo. Tempo mais tarde, a procissão passou a sair no segundo domingo do mes de outubro e, duzentos anos depois a procissão faz o mesmo percurso, de cerca de cinco quilômetros, saindo do Palácio do Governo, hoje Palácio Lauro Sodré, levando a Santa para o mesmo lugar onde havia a ermida e hoje ergue-se a imponente Basílica de Nossa Senhora de Nazaré. A primeira procissão foi acompanhada por toda a tropa aquartelada na cidade, os cavalheiros montados em seus melhores cavalos, as damas carregadas em seges, o povo a pé em torno do carro que transportava a Santa. A imagem ia no colo do padre capelão e o próprio governador da Província, Dom Francisco de Souza Coutinho, acompanhava o cortejo trajado com uniforme de gala. Dom Francisco Coutinho, que havia organizado a homenagem à Santa, estruturou também aquela que iria ser a maior manifestação religiosa do Pará e uma das mais impressionantes demonstrações de fé religiosa dos católicos.
Com o tempo a procissão sofreu algumas modificações, como a inclusão do Carro dos Milagres, que lembrava a salvação do fidalgo português Dom Fuas Roupinho, o barco que lembrava a salvação dos náufragos do brigue São João Batista, a corda que substituiu a junta de bois que puxava o carro da Santa, e o carro dos fogos, que com muito barulho precedia o cortejo religioso. Já neste século, o poeta maranhense Euclides Farias compôs o hino " Vós Sois o Lírio Mimoso", que se consagraria como o Hino do Círio, e hoje identifica a procissão sempre que é cantado. O primeiro Círio mobilizou gente de toda a redondeza de Belém, principalmente em função da feira que o governador determinou que fosse instalada no terreno que circulava a ermida, para a venda de produtos regionais. Nos duzentos anos em que o Círio de Nazaré vem sendo realizado, é a cada ano maior o movimento de romeiros. Hoje calcula-se em mais de um milhão o número de pessoas que saem às ruas para celebrar a Virgem de Nazaré.
A corda foi uma das primeiras modificações sofridas pela procissão do Círio de Nazaré. Nos primeiros círios, a imagem da santa era carregada no colo do bispo, num carro puxado por juntas de bois. Em 1866 o carro com a Santa atolou, sendo necessária a intervenção do povo, que tirou o carro do atoleiro com uma corda. Desde 1868 a corda foi incorporada à procissão. Depois a corda passou a separar a berlinda da multidão. Este é o sacrifício maior para o fiel que acompanha o Círio: segurar a corda. Mulheres numa corda, homens em outra, todos descalços, vão se empurrando, pisando, esmagando ao longo de todo o trajeto. Ao final, cheios de calos, pisaduras e feridas nos pés, são os fiéis mais realizados, por terem cumprido o sacrifício prometido.
A corda sempre foi motivo de polêmica, havendo aqueles que procuram eliminá-la da procissão, pela enormidade do sacrifício exigido. Em 1926, o arcebispo de Belém, dom Irineu Joffily, baixou uma bula proibindo o uso da corda e determinando outras alterações na procissão. Foi o Círio mais tumultuado da história, tendo sido necessária a intervenção da polícia para cumprir as ordens do arcebispo. Até 1931 prevaleceu a vontade de dom Irineu, apesar das reações populares e dos protestos da imprensa. Neste ano, assumiu o governo do Pará o interventor Magalhães Barata, que apelou para o Ministério das Relações Exteriores do Brasil e para o Núncio Apostólico da Igreja Católica, para que fosse permitido o retorno da corda. Magalhães Barata conseguiu o que queria, para a enorme satisfação do povo. Desde então, sempre há alguém querendo eliminar a corda, sem nunca obter sucesso.
O carro dos milagres foi introduzido no ano de 1805, por pedido da Rainha de Portugal, dona Maria I, para lembrar o primeiro milagre relatado da Virgem de Nazaré, que salvou o fidalgo dom Fuas Roupinho da morte num abismo. O carro dos milagres é o depositário das ofertas feitas à Virgem pelos fiéis, em reconhecimento pelas graças alcançadas. Réplicas de casas que o romeiro conseguiu, de embarcações salvas do naufrágio, de partes do corpo humano em cera, curadas por intervenção da santa.
Hino
"Vós sois o lírio formoso"
Euclides Farias
Vós sois o lírio mimoso/ do mais suave perfume
Que ao lado do santo esposo / a castidade resume.
Ó VIRGEM MÃE AMOROSA
FONTE DE AMOR E DE FÉ
DAI-NOS A BENÇÃO BONDOSA
SENHORA DE NAZARÉ
De vossos olhos o pranto / é como a gota de orvalho
Que dá beleza e encanto / a flor pendente do galho.
Se em vossos lábios divinos / um doce riso desponta
Nos esplendores dos hinos / noss'alma ao céu se remonta.
Vós sois a flor da inocência / que nossa vida embalsama
Com suavíssima essência / que sobre nós se derrama.
Quando na vida sofremos / a mais atroz amargura
De vossas mãos recebemos / a confortável doçura.
Vós sois a ridente aurora / de divinais esplendores
Que a luz da fé avigora / nas almas dos pecadores.
Quando em suspiros e ais / a vida sentimos morta
Nessas angústias finais / o vosso amor nos conforta.
Sede bendita, Senhora / farol de eterna bonança
Nos altos céus onde mora / a luz da nossa esperança.
E lá da celeste altura / no vosso trono de luz,
Dai-nos a paz e a ventura / do vosso amado Jesus
Rogai por nós!
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